Atemporal, Motomami mantém Rosalía no hall da música mundial

Aline Rosa

Como superar a si mesmo? Pergunte a Rosalía. Quando o terceiro álbum de estúdio da cantora “Motomami” foi lançado no dia 18 de março de 2022, parecia ser difícil alcançar o sucesso do premiado “El Mal Querer”, de 2018. Dois anos depois do lançamento, o universo criado com a obra continua indo muito além da música, ditando estilo de vida, estética e, principalmente, tendências de moda.

Ultrapassando as barreiras da indústria fonográfica, Motomami teve seu nome estampado na camisa do time espanhol Barcelona em uma partida clássica do futebol europeu, em comemoração ao primeiro aniversário de lançamento.

Foto: Barcelona

Para os amantes mais famintos por álbuns conceituais, Motomami é um prato cheio. Todas as 16 faixas, mesmo tendo sonoridades diferentes entre si, usam com maestria as mesmas influências da cantora, como música folclórica espanhola, flamenco, reggaeton e hip-hop.

E se engana quem acha que a obra é composta apenas por temáticas sensuais, já que Rosalía está nua na fotografia da capa, numa clara inspiração à “Nascimento de Vênus“, famosa pintura de Sandro Botticelli. O álbum apresenta uma montanha-russa de emoções e embarca em uma jornada de amor, poder, medo e isolamento.

Iniciado na pandemia

Motomami começou a ser escrito em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, o que mudou os rumos das composições do álbum. Na faixa “G3 N1S”, por exemplo, a cantora cita as dores de ter ficado longe da família durante o processo de produção do álbum, por conta dos quase dois anos de restrições de viagens entre países. Inegavelmente, outro tema presente ao longo do álbum é a fama e as suas consequências. Rosalía ressalta que a vida de uma popstar não é pra sempre, e relata em várias faixas a doce ilusão da fama e como é fácil se sentir atraída pelo dinheiro e as belezas que existem em ser reconhecida mundialmente.

Artista versátil

Rosalía, que é musicista formada na Escola Superior de Música da Catalunha, mostra sua versatilidade traçando uma narrativa auditiva que consegue ser vanguardista e moderna ao mesmo tempo, sendo incapaz de passar despercebida aos ouvidos de quem quer que seja. Em algumas faixas, é possível ver palavras e expressões em inglês se misturando ao espanhol, e a facilidade com que a artista troca de idioma inicialmente pode causar uma certa estranheza no ouvinte de primeira viagem, mas acaba virando uma ferramenta utilizada pela cantora para atender seu público diverso.

A capacidade da cantora em combinar diferentes gêneros musicais dá a oportunidade ao Motomami de criar uma experiência musical fascinante e inesquecível, convidando o ouvinte a refletir sobre suas próprias experiências de vida, sejam elas boas ou ruins. Ousado, o álbum se tornou um universo com infinitas possibilidades de criação, com a identidade visual e todos os outros produtos concebidos a partir do estilo “Motomami de ser”.

Entendendo o título

Mas afinal, o que é “Motomami”? Dois anos depois do lançamento, ainda há quem procure uma tradução literal para uma palavra que não existia até então. O título do álbum surgiu da cultura do motociclismo, que é muito presente na cidade natal de Rosalía. A inspiração também veio da mãe, que andava de moto e transmitia muita força, assim como outras mulheres da sua família.

A cantora afirmou que, assim como o nome do álbum que nasceu da junção de duas palavras, a sonoridade também é ambígua. “Moto é o lado mais agressivo e Mami é o lado mais vulnerável. Neste álbum, há canções com bateria muito agressiva e há canções mais tranquilas, mais ligadas a esse lugar sensível”, comentou Rosalía durante coletiva de imprensa na época do lançamento.

Uma metamorfose sonora, Motomami reforça mais uma vez o lugar de Rosalía no hall da fama da música pop global, provando novamente — mesmo sem precisar — a grandeza de ritmos que surge ao fazer combinações até então improváveis.

Conheça faixa por faixa o que traz o terceiro álbum de estúdio de Rosalía:

SAOKO: o single de estreia já dá uma prévia da diversidade de ritmos que serão encontrados ao longo do álbum. Com um piano de fundo em um determinado trecho e as fortes batidas em outro, Saoko é bonito como uma mariposa e forte como o ronco de uma moto potente.

CANDY: a faixa é tão doce quanto o título — Candy, em tradução do inglês, significa doce. Ouvir Candy pela primeira vez te faz reviver o primeiro encontro daquele amor intenso que nunca será esquecido. Menção honrosa ao trecho “Bailando Plan B, la de Candy”, que cita a música da dupla porto-riquenha de reggaeton que faz parte da lista da Rolling Stones como uma dos 100 melhores reggaetons de todos os tempos.

LA FAMA: uma das melhores músicas do álbum, a parceria com o canadense The Weeknd — que gastou todo o seu espanhol na gravação — fala sobre como o sucesso é traiçoeiro e perigoso, e como é possível se relacionar com esse mundo sem precisar sucumbir a ele.

BULERÍAS: essa faixa traz de volta o melhor que há nas raízes flamencas de Rosalía. É possível ouvir apenas a voz da intérprete e o que seriam as batidas presentes em clássicos da música catalã. Na composição, a artista reforça que nasceu para cantar e que nada vai impedi-la de fazer isso.

CHICKEN TERIYAKI: a música começa com sua assinatura e apelido “La Rosalía“, item que faz parte da maioria das suas músicas que fizeram sucesso. Com um refrão chiclete que diz “Pra ti, nada, só frango teriyaki” e uma dancinha pronta, a música se tornou viral nas redes sociais. A letra parece não ter nenhuma outra função a não ser divertir quem está ouvindo.

HENTAI: com uma letra ousada que fala sobre um sexo sem pudores, a doce melodia de Hentai transmite as emoções cruas e a vulnerabilidade que acompanham o amor e suas complexidades. O refrão traz batidas fortes e repete apenas duas palavras: “So Good”.

BIZCOCHITO: os vocais quase caricatos parecem ter sido feitos propositalmente para ser viral no TikTok. Não tem como ouvir e não lembrar da careta que é conhecida pelos fãs e que era repetida em todos os shows e em diversos vídeos, onde Rosalía insinua mascar um chiclete interminável.

G3 N15: talvez essa seja a música mais pessoal do álbum. “Genes”, como deveria ser lida, é a balada emocional que traz um relato profundo e único do período em que foi composta, no auge da pandemia de covid-19. É um desabafo pessoal que encerra com um áudio de sua avó dizendo, em catalão, que “O mundo que a Rosalía se meteu é muito complicado, mas que se ela está feliz, a avó também vai estar”. Em um dos trechos, cita “El Mal Querer”, nome do álbum antecessor ao Motomami, e é uma faixa que definitivamente poderia ter sido feita para esse álbum.

MOTOMAMI: curiosa e divertida de se ouvir, a canção título do álbum que serve quase como um interlude curiosamente tem apenas 1 minuto de duração, sendo a mais curta das 16 faixas, e repete exatas 22 vezes a palavra “Motomami”.

DIABLO: aqui vemos algo parecido com o que foi ouvido anteriormente em “La Fama”: a relação perversa do artista com a fama. É como se existissem dois lados da cantora, com a “versão anônima” de Rosalía dizendo para ela que não a reconhece mais depois de ter ficado famosa, e a “versão famosa” afirma copiosamente que nenhum dinheiro vai mudar quem ela é.

DELIRIO DE GRANDEZA: com vocais poderosos e arranjos clássicos, a combinação do flamenco tradicional e de uma remixagem poderosa no meio da canção traz uma surpresa sonora supersônica aos ouvidos. O bolero exalta o domínio vocal da cantora.

CUUUUuuuuuute: a música tem fortes repercussões e outros recursos que lembram escolas de samba e funk brasileiro. Essas são algumas das várias camadas de ritmos que compõem essa faixa, como uma onda sonora, ácida e agradável ao mesmo tempo. Em tradução livre, o refrão se resume em “Cara, fica de boa, porque o melhor artista aqui é Deus”. Mesmo sendo fã declarada de artistas brasileiros, curiosamente a faixa foi produzida por uma mexicana.

COMO UN G: com uma pegada que lembra a canção “Bagdad” (El Mal Querer, 2018), o título não tem uma tradução exata, abrindo várias interpretações entre os fãs. A letra é dramática e intensa, com Rosalía dizendo que não escreve sobre amor, mas que se dobra diante da pessoa amada.

Abcdefg: sim, é isso mesmo. Tem um abecedário no disco. A letra, que é quase como um caderno de anotações, traz algumas das referências de artistas, filmes e adjetivos que ajudam a entender mais o estilo Motomami de ser.

LA COMBI VERSACE: a segunda parceira do álbum é com a rapper dominicana Tokischa e cita uma longa lista de marcas de luxo, exaltando o poder que existe em se vestir como quer, sem precisar dar satisfações para ninguém. Energizante, a canção está ligada diretamente com a forte relação que Rosalía tem com a moda.

SAKURA: a gravação que mescla a voz em estúdio e no ao vivo destoa de todo a automatização do álbum, e acredito que por isso foi escolhida para ser a última música. De tirar o fôlego, Rosalía reforça mais uma vez que a fama não é algo permanente e que ela só pode cumprir seu papel Assim como a própria flor de cerejeira (Sakura), a fama é linda mas dura pouco

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